O amor, um calção e gestos primitivos (cinco minutos antes de minha vida mudar)
por Henrique Matos
Lá fora na rua, um grupo festeja. Não sei o motivo, mas aqui quieto na sala de casa, dou risada ao imaginar que essa gente deve ser engraçada. Ouço as risadas, as palmas, a gritaria alegre de algumas pessoas reunidas e fico pensando que Deus tem uma pureza engraçada. Ele nos dá as melhores experiências e lições de vida justamente quando estamos desprovidos daquilo que tanto perseguimos para ser felizes.
Afinal, quem é que precisa de mais do que uma gargalhada para entender uma porção da felicidade? Quem é que precisa de mais do que um escorregão para encontrar ensinamentos a respeito da vida?
E percebo por essas, que o que mais atrai nas pessoas são justamente os gestos primitivos e tão naturais a nós. E percebo por outras, que necessidades vitais também estão na capacidade de rir, cantar, brincar um pouco, abraçar os amigos, comer à mesa com a família. Nos pequenos momentos que nos distraem daquilo que julgamos ser o que de fato importa, nem vemos que, ora bolas, o que importa de verdade está ali ao alcance de um gesto, uma palavra, um olhar, às vezes até de um silêncio.
Gestos humanos, primitivos. São condições à própria vida. Me parecem os tipos de valores e sentimentos que nos formam, independentemente das épocas, da história, desde o princípio. É o que nos faz o que somos, criaturas moldadas à imagem e semelhança de um Deus admirável.
* * *
Aqui dentro, mudo de assunto mas não de conclusão. Observo por um instante, deitada num colchão no chão da sala, a mulher da minha vida. Que cochila. A sutileza de seus gestos, a respiração leve, os cabelos soltos meio bagunçados sobre a fronha de estampa verde xadrez. Uma almofadinha sob a barriga para sustentar os nove meses de gestação. Ela espera por nossa filha. “Puxa, amanhã pode ser o dia em que seremos pais!”. Ela veste meu calção branco – sei lá eu o porquê de ela fazer isso, mas estou certo de que ela o veste da maneira mais charmosa e honrosa que aquele calção velho jamais poderia desejar (partindo do pressuposto, evidente, de que os calções são dotados de algum desejo, honra ou vaidade).
E aqui, apaixonado outra vez mais, acho curioso esse sentimento que nos leva a acreditar e desejar ter uma vida inteira ao lado de outra pessoa. Eu sinto isso. Quero passar ao lado dessa menina todos os meus dias, minhas alegrias e dores, minhas dúvidas e conquistas, meus sonhos e falhas, minhas noites de sono repartidas em uma cama. Cumprirei meu voto de “felizes para sempre” e, sem esperar que chegue o sempre, seremos felizes todos os dias.
Lembro, por um pouco, de alguns retratos de infância que víamos juntos há alguns dias e penso então num belíssimo futuro, no tempo que envelheceremos lado a lado, de mãos dadas, dois heróis da vida simples sentados juntos à mesa. Mas não qualquer mesa. Será uma mesa grande e velha, de madeira já gasta, posta com comida farta, doce de leite e suco de frutas, à espera dos filhos e netos para um almoço no domingo.
Bom, vou dizer uma outra bobagem, mas acho até que é desses detalhes que se preenche o amor. Talvez eu esteja mesmo tendo algumas variações, mas penso aqui que um sentimento precisa de mais do que um significado e um dicionário para ser real. Para ser real ele tem que ser vivido. E o que se vive não são palavras ditas, não ditas, malditas ou escritas, é a vida. Coisas do cotidiano, vitórias extraordinárias, derrotas nem tanto (bem, assim se espera sempre com otimismo). É de tudo que se compõe a vida.
Ela respira fundo, me olha sonolenta. “Sobre o que você tá escrevendo?”. Eu olho para ela, olho para a tela. “Sobre a vida, sobre Deus, família... essas coisas”. Vira de lado, dolorida, coitada, a barriga pesa. Cochila outra vez.
Não, não é uma brincadeira essa história de casar e construir uma família. Isso é um gesto de honra. Honra, reforço a expressão, outra palavra cujo significado pouco se vive nesses nossos dias de relações casuais, convicções hedonistas, falsas verdades e calções brancos dotados de sentimentos.
Enquanto escrevo, vejo o pedaço de metal dourado que me enlaça um dos dedos – o anular, cujo nome sempre me esqueço – e penso que, outra vez, uma coisa tão pequena e arcaica, me faz lembrar dos sentimentos, os sonhos, os planos, a entrega e a decisão de uma vida inteira que estão empenhados nessa aliança.
Sim, honra e amor, Deus e o homem, as amizades e risos, os sonhos e nossos sentimentos primitivos... Sim, o eterno é a promessa de uma aliança.
* * *
PS.: Escrevo agora, depois de seis dias, para a última revisão desse texto. Foi que, nem cinco minutos depois do ponto final dessa carta, nos primeiros instantes do dia seguinte, ouvi minha esposa chamando, agora lá no quarto. Sua bolsa amniótica havia rompido. Deixei o computador como estava e corremos para o hospital, para ver, dali três horas, nossa pequena Nina surgir nesse mundo. Era real, seríamos pais no dia seguinte. Continua.
Lá fora na rua, um grupo festeja. Não sei o motivo, mas aqui quieto na sala de casa, dou risada ao imaginar que essa gente deve ser engraçada. Ouço as risadas, as palmas, a gritaria alegre de algumas pessoas reunidas e fico pensando que Deus tem uma pureza engraçada. Ele nos dá as melhores experiências e lições de vida justamente quando estamos desprovidos daquilo que tanto perseguimos para ser felizes.
Afinal, quem é que precisa de mais do que uma gargalhada para entender uma porção da felicidade? Quem é que precisa de mais do que um escorregão para encontrar ensinamentos a respeito da vida?
E percebo por essas, que o que mais atrai nas pessoas são justamente os gestos primitivos e tão naturais a nós. E percebo por outras, que necessidades vitais também estão na capacidade de rir, cantar, brincar um pouco, abraçar os amigos, comer à mesa com a família. Nos pequenos momentos que nos distraem daquilo que julgamos ser o que de fato importa, nem vemos que, ora bolas, o que importa de verdade está ali ao alcance de um gesto, uma palavra, um olhar, às vezes até de um silêncio.
Gestos humanos, primitivos. São condições à própria vida. Me parecem os tipos de valores e sentimentos que nos formam, independentemente das épocas, da história, desde o princípio. É o que nos faz o que somos, criaturas moldadas à imagem e semelhança de um Deus admirável.
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Aqui dentro, mudo de assunto mas não de conclusão. Observo por um instante, deitada num colchão no chão da sala, a mulher da minha vida. Que cochila. A sutileza de seus gestos, a respiração leve, os cabelos soltos meio bagunçados sobre a fronha de estampa verde xadrez. Uma almofadinha sob a barriga para sustentar os nove meses de gestação. Ela espera por nossa filha. “Puxa, amanhã pode ser o dia em que seremos pais!”. Ela veste meu calção branco – sei lá eu o porquê de ela fazer isso, mas estou certo de que ela o veste da maneira mais charmosa e honrosa que aquele calção velho jamais poderia desejar (partindo do pressuposto, evidente, de que os calções são dotados de algum desejo, honra ou vaidade).
E aqui, apaixonado outra vez mais, acho curioso esse sentimento que nos leva a acreditar e desejar ter uma vida inteira ao lado de outra pessoa. Eu sinto isso. Quero passar ao lado dessa menina todos os meus dias, minhas alegrias e dores, minhas dúvidas e conquistas, meus sonhos e falhas, minhas noites de sono repartidas em uma cama. Cumprirei meu voto de “felizes para sempre” e, sem esperar que chegue o sempre, seremos felizes todos os dias.
Lembro, por um pouco, de alguns retratos de infância que víamos juntos há alguns dias e penso então num belíssimo futuro, no tempo que envelheceremos lado a lado, de mãos dadas, dois heróis da vida simples sentados juntos à mesa. Mas não qualquer mesa. Será uma mesa grande e velha, de madeira já gasta, posta com comida farta, doce de leite e suco de frutas, à espera dos filhos e netos para um almoço no domingo.
Bom, vou dizer uma outra bobagem, mas acho até que é desses detalhes que se preenche o amor. Talvez eu esteja mesmo tendo algumas variações, mas penso aqui que um sentimento precisa de mais do que um significado e um dicionário para ser real. Para ser real ele tem que ser vivido. E o que se vive não são palavras ditas, não ditas, malditas ou escritas, é a vida. Coisas do cotidiano, vitórias extraordinárias, derrotas nem tanto (bem, assim se espera sempre com otimismo). É de tudo que se compõe a vida.
Ela respira fundo, me olha sonolenta. “Sobre o que você tá escrevendo?”. Eu olho para ela, olho para a tela. “Sobre a vida, sobre Deus, família... essas coisas”. Vira de lado, dolorida, coitada, a barriga pesa. Cochila outra vez.
Não, não é uma brincadeira essa história de casar e construir uma família. Isso é um gesto de honra. Honra, reforço a expressão, outra palavra cujo significado pouco se vive nesses nossos dias de relações casuais, convicções hedonistas, falsas verdades e calções brancos dotados de sentimentos.
Enquanto escrevo, vejo o pedaço de metal dourado que me enlaça um dos dedos – o anular, cujo nome sempre me esqueço – e penso que, outra vez, uma coisa tão pequena e arcaica, me faz lembrar dos sentimentos, os sonhos, os planos, a entrega e a decisão de uma vida inteira que estão empenhados nessa aliança.
Sim, honra e amor, Deus e o homem, as amizades e risos, os sonhos e nossos sentimentos primitivos... Sim, o eterno é a promessa de uma aliança.
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PS.: Escrevo agora, depois de seis dias, para a última revisão desse texto. Foi que, nem cinco minutos depois do ponto final dessa carta, nos primeiros instantes do dia seguinte, ouvi minha esposa chamando, agora lá no quarto. Sua bolsa amniótica havia rompido. Deixei o computador como estava e corremos para o hospital, para ver, dali três horas, nossa pequena Nina surgir nesse mundo. Era real, seríamos pais no dia seguinte. Continua.
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