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Mostrando postagens de junho, 2005

O eterno e o passageiro

por Henrique Matos Vi agora há pouco um senhor, daqueles bem senhorezinhos mesmo. Já idoso, andava com certa dificuldade, meio curvado, mancando, ajudado por uma bengala em uma das mãos e o casaco grosso de lã apoiado sobre o outro braço dobrado. Embaixo da boina, seu rosto tinha a pele um tanto manchada pelos anos e tanto mais enrugada pelos efeitos da gravidade. Seguíamos nós dois, na plataforma de uma estação de trem, rumo a um ponto comum: a escada de seus trinta e poucos degraus que nos levaria à rua. Sinto uma compaixão irresistível e desconfortável por idosos que me faz ser gentil de uma forma que normalmente não o sou. Acelerei o passo, cheguei mais perto e ofereci ajuda em sua aventura: “O senhor quer ajuda?”, perguntei. Mas ele não ouviu e ficou me encarando com olhar sério, esperando que eu dissesse algo. Repeti, agora em tom mais alto: “O senhor quer ajuda? Para subir...”, disse apontando para a escada. Então ele ouviu e para minha surpresa respondeu: “Não, pode subir. Eu v

Perucas imperiais

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por Henrique Matos "A religião está no coração, não nos joelhos" (Jerold Douglas William). Há poucos dias li uma notícia que me deixou intrigado. Na verdade, eu já era intrigado pelo tema da história em si e as lembranças que me traziam. E por mais bizarro que pareça, acho que merece ser mencionado. Eu não sabia e talvez você também não, mas descobri a origem daquelas perucas brancas e compridas que os nobres usaram por tanto tempo no passado. Ei-la: Aconteceu que o Rei Luís alguma-coisa-em-números-romanos (desculpe, não lembro qual foi), muito vaidoso, notou que estava ficando calvo. Ordenou então a alguns de seus súditos que lhe providenciassem uma peruca para cobrir a falha e, feito isso, passou a usa-la. Sua corte, notando a diferença e sendo então muito bajuladora, viu no visual do rei uma forma de agrada-lo e gradativamente adotou também as perucas. Com tal gesto, em pouco tempo, o ornamento era utilizado em toda a França. Mas não bastasse, eis que passado algum tempo,

Um novo reino

por Henrique Matos Relatos desse mesmo dia, em algum lugar de uma época... Essa noite trovoou lá fora, ouvi os estrondos e as águas correntes da chuva despencando do céu. Escutei os brados da guarda marchando pelas ruas, ouvi as velhas ameaças do mal em seus movimentos, as injúrias opressoras contra um inimigo silencioso que não se podia distinguir pelo som e que chegava inesperadamente tomando as ruas com sua presença pacífica. E dizem os poucos que viram que o que era a ordem vigente, passou de repente a mudar seu posto. As armas foram todas ao chão, os soldados mudaram de lado. E o que era escuro foi então clareando. Onde estavam as sombras houve a luz. E com o cair da noite, fez-se o dia reluzente. Ao cantar do galo, todos se levantaram, as ruas foram cheias do perfume do café com pão fresco que saía das casas, as gotas de orvalho eram vistas sobre as plantas, o cheiro da chuva que caiu na terra ainda impregnava o ar e aos poucos os primeiros trabalhadores saíam para o trabalho. Ma