Próxima parada

por Henrique Matos

São pouco mais de seis horas da manhã, seus olhos ainda lutam contra a claridade do dia, sua língua ainda sente o paladar misto do café com o hortelã do creme dental, seu corpo ainda habitua-se às poucas horas em que está em pé e apesar disso, João caminha pela estreita viela em direção à avenida no fim da rua. Ele dobra a esquina e de longe enxerga o ponto de ônibus, como sempre, lotado.

O excesso de gente já não é novidade, o mesmo ocorre todos os dias. A cada trinta minutos (quando não há greve), a condução pára e toda a multidão se acotovela para passar ao mesmo tempo por aquela pequena porta. O prêmio da disputa é valioso, um espaço sentado em um dos poucos e desconfortáveis bancos do ônibus. João como sempre, chega atrasado, entra por último e viaja em pé até o ponto final da linha, próximo ao seu trabalho.

No longo percurso, João tem muito tempo para pensar na vida, cochilar um pouco, ler dia após dia o mesmo capítulo daquele pequeno e surrado Novo Testamento (que ganhou de sua noiva e guarda no bolso da camisa - "Traz proteção", afirma ele), embalar novamente ao chacoalhar do trânsito para dormir mais um pouco e... capoft! acordar pouco depois de perder o equilíbrio e cair esparramado por conta da brusca freada do veículo. "Ô motorista, préstenção!" balbucia ele antes de levantar, bater a sujeira e se acomodar novamente.

Parece um tanto curioso, mas aquela vemos que aquela massa (ônibus + passageiros) está em movimento enquanto os passageiros estão parados. Quando então o veículo pára bruscamente, percebemos a ação de um efeito da física chamado "inércia": o tombo do João. Ele caiu justamente porque seu corpo (que já estava parado) se opôs ao movimento do ônibus (que corria mas parou de repente).

Inércia: 1. Falta de ação, de atividade; letargia, torpor. 2. Indolência; preguiça. 3. Resistência que todos os corpos materiais opõem à modificação do seu estado de movimento. 4. Resistência à mudança. (Dicionário Aurélio).

João e sua vergonhosa queda, somos tantos de nós, vivendo em nossas congregações e seguindo uma rotina acomodada. Tomamos o ônibus da religião, montamos no lombo da igreja e vamos de carona, em uma vida de tradições e aparências. "Assim, aquele que julga estar firme, cuide-se para que não caia!" (I Coríntios 10:12).

Mas uma hora o ônibus freia... e no que temos sido inertes?

"Assim como o corpo sem espírito está morto, também a fé sem obras está morta." (Tiago 2:26). As obras, a que Tiago refere-se não são as atividades que desenvolvemos dentro da igreja ou o bem estar social ao qual despendemos tempo, ele está falando de ação. A fé é a força que nos faz caminhar. Sem a "obra" nós temos essa força mas não caminhamos, estamos parados.

"Insensato! Quer certificar-se de que a fé sem obras é inútil? Não foi Abraão, nosso antepassado, justificado por obras, quando ofereceu seu filho Isaque sobre o altar?" (Tiago 2:20-21).

Deus quer nos fazer viver em milagres e ele nos convida a caminhar sobre as águas em sua direção, mas antes nós devemos sair do barco e dar o primeiro passo (Mateus 14:27-29). Não vamos subir em um veículo confortável e deixar "a vida" nos levar. Antes porém, caminhemos com fé na direção de nosso propósito: a salvação em Jesus Cristo.

"Todos os que competem nos jogos se submetem a um treinamento rigoroso, para obter uma coroa que logo perece; mas nós o fazemos para ganhar uma coroa que dura para sempre. Sendo assim, não corro como quem corre sem alvo e não luto como quem esmurra o ar. Mas esmurro o meu corpo e faço dele meu escravo, para que, depois de ter pregado aos outros, eu mesmo não venha a ser reprovado." (I Coríntios 9:25-27).

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