Saudades da minha Facit

por Henrique Matos

Facit! Esse era o nome da máquina onde aprendi a datilografar. Datilografia era curso essencial para se conseguir aquele concorrido emprego de contínuo no banco. Fora do curso, confesso que datilografei a máquina algumas raras vezes. As teclas são pesadas, o barulho é chato e ela não vem com kit multimídia para se ouvir uma boa música enquanto o texto é criado. Mas isso não é o pior, nenhum dos modelos disponíveis, me permitem apertar o “Backspace” tantas vezes para apagar, corrigir e incluir novas palavras (como fiz aqui, nesse exato instante) e nem disponibilizam os famosos “Ctrl+C” e “Ctrl+V” que me fazem ter uma pontinha de afeto pelas grandes marcas de computadores.

Posso parecer um dos antigos quando falo de máquinas de escrever, saudosistas que rejeitam os avanços tecnológicos e sofrem para entender que para se desligar o computador é preciso apertar o botão “Iniciar” (e isso até eu não entendo). Sou um adepto e fã dessa invenção, armazeno minhas músicas, escrevo minhas mensagens, guardo arquivos, envio o boletim a vocês por e-mail, salvo no site, me comunico com gente de todo lugar... definitivamente, a informática e seus avanços me seduzem.

E pensar que quando nascemos, os poucos microcomputadores disponíveis custavam uma bela grana e a Internet ainda era uma ferramenta de uso militar e acadêmico. Hoje, minha sobrinha de 6 anos, navega pelo site da Mônica, joga o cd-rom do Rei Leão e dá um show quando precisa desenhar no Photoshop (manuseia melhor o mouse do que o lápis!). São os avanços. Imagine por exemplo, que essas mensagens do Missão Pax surgissem há vinte anos. Eu precisaria postar todas as quintas-feiras dezenas de cartas, para que na segunda elas chegassem via correio a todos. O website seria inviável, talvez houvesse um livro em formato de fichário, onde cada um poderia guardar o fascículo (caramba, nunca achei que escreveria essa palavra) da semana.

Mas existe mesmo um certo charme na lembrança - com cheiro de naftalina - das máquinas de escrever e os manuscritos. Minha esposa diz que gosta mais quando lhe escrevo cartas à mão, assim pode ver minha letra, o texto soa mais intimista, pessoal e exclusivo. E também acho isso tudo verdade.

Digamos que o malefício da tecnologia e a globalização no que cabe a ela é que passamos a viver em um mundo onde o “direito autoral” acaba perdido. Músicas podem ser desconfiguradas – a era do sampler, do remix, do virtual - sites invadidos, obras violadas e textos difundidos sem que se conheça seu autor, seus originais e sua veracidade.

* * *

Essa nova idéia de mundo dificulta nosso entendimento a respeito da preservação de documentos originais. Pensemos um minuto nos manuscritos bíblicos por exemplo, eles foram guardados por séculos e séculos. Quantas vezes não questionamos a possibilidade de que algum estudioso, padre ou governante não possa ter passado um Liquid Paper no texto de Êxodo por exemplo e mudado a história. Moisés, que havia passado por sobre uma região alagadiça (como defendem alguns céticos), ficou conhecido então por abrir as águas e atravessar o mar. É essa a nossa mente ocidental, moderna e... incrédula.

No baixo de minha ignorância, posso chacoalhar a memória em busca das aulas de história da tia Antonieta e lembrar que até meados o século XV o acesso a documentos era algo restrito às grandes autoridades.

Falando especificamente das Escrituras, até uns 400 anos a.C. existiam apenas os manuscritos originais em hebraico, que eram os livros e leis usados pelos judeus (sobre os quais lemos em todo o Velho Testamento). Paralelamente aos fatos, o império grego cresceu, dominou diversas nações e a maior estratégia de expansão do reino era difundir sua língua por todo o mundo. Isso incluía a Palestina, onde vivia o povo de Israel.

Após o reinado de Alexandre, o Grande sobre a Grécia, os Ptolomeus o sucederam no poder. Foram eles que organizaram uma comissão de 75 anciãos, eruditos, que fizeram a tradução das Escrituras para o grego, já então língua “oficial” e conhecida de todo o povo (isso acontece no intervalo de mais ou menos 400 anos entre o Antigo e o Novo Testamentos). Esses manuscritos, somados a outros de diferentes partes, são a maior fonte para as traduções bíblicas que se sucederam, inclusive a portuguesa.

Quanto a preservação de originais, o maravilhoso das Escrituras é notar que diferentes documentos de épocas distintas e localidades também guardam até hoje a mesma informação, sem controvérsias ou distinções entre si. Portanto, é bobagem essa história de que a igreja romana manipulou os originais conforme suas intenções políticas e sociais. Alguns desses documentos nem estiveram sob seu domínio.

Abrindo um parêntese sobre esse ponto, vale pensar o seguinte: Deus é soberano e não cai uma folha de árvore sem o Seu consentimento. Logo, seria estupidez cogitar que o homem tenha interferido nas Escrituras livremente, segundo seus interesses e que o Senhor teria permitido que Seus filhos se baseassem em mentiras para segui-Lo. Então chega de “achismos” a respeito da Bíblia e passemos encara-la como o que verdadeiramente é: a Verdade Divina. Fecho os parênteses.

As traduções em diversas línguas sobre as quais falamos só puderam ser feitas depois da invenção do livro. Por volta de 1.450 (veja bem, só 35 anos antes da Reforma Protestante), Johann Gutemberg “inventou” a imprensa. Até então, a maioria da população era formada por pessoas analfabetas, só a alta sociedade tinha acesso à leitura. A igreja, com seus manuscritos e pedras empilhadas, detinha o domínio sobre a Lei e manipulava os fiéis como bem entendia. Autoridades teológicas de então, tinham a descoberta de Gutemberg como algo destruidor, o povo passaria a ter acesso aos escritos e isso acabaria com a autonomia do clero.

Durante séculos o homem viveu dessa forma, ouvindo o que deveria seguir, calado e confiando no que lhe diziam “os intérpretes”. Não é necessário muito esforço para resgatar a origem do protestantismo e nem é de se surpreender que o maior protesto de Lutero era justamente contra a venda de indulgências, algo que não consta em qualquer versículo das Escrituras mas que era pregado pela própria igreja por interesses financeiros e exclusivistas. Outra defesa do então frei era de que o povo deveria ter livre acesso às Escrituras, algo também controlado pela instituição chamada igreja (a partir dessa conquista da Reforma é que foi atribuído aos protestantes o título de “evangélicos”).

E desde então a invenção revolucionária de Gutemberg nos tem sido útil para que, na cabeceira de nossas camas, na mesa de trabalho e até no computador possamos ter uma versão das Escrituras, traduzida em nossa língua mãe e acessível financeiramente.

Sabemos que há pouco mais de 500 anos, a disseminação da informação acelerou-se de forma quase incontrolável. Era o nascimento do Brasil, a imprensa ainda engatinhava e a Reforma acontecia em um canto da Alemanha.

Hoje, não só temos livros jogados por todo canto, como somos capazes de divulgar informação para todo o mundo, em qualquer instante, idioma, formato ou fonte. Seja verdade ou mentira, bom ou mal, podemos nos comunicar. São os avanços, é o “pogréssio”.

* * *

Será possível que se Moisés vivesse em nossos tempos, subiria na cobertura de seu prédio para uma vigília com o Senho, então anotaria a revelação dos mandamentos em um Palm Top, salvaria no HD de seu microcomputador e enviaria por e-mail ao povo de Israel? A mensagem sairia com uma nota de rodapé dizendo: “Se isso é verdade para você, repasse a todos os seus amigos, não tenha vergonha. Piadas você conta e manda para todos, mas quando são coisas de Deus você guarda ou deleta. Passe para o maior número de contatos e seja abençoado”. Ou talvez passaria os dez mandamentos a todos via Torpedos SMS em seu celular pré-pago?

Não interessa a forma. Não podemos nos apegar a idéias tradicionalistas. Tudo aconteceu como diz a história porque Deus quis assim. E naquele tempo, essa era a forma de todos se comunicarem (lembrando que Moisés estava no deserto)

Deus tem Seus propósitos. E Sua palavra difere de todo escrito justamente porque o Senhor cuida de Sua verdade. Quando entregou as Leis a Moisés, as gravou em tábuas de pedra. Na própria Bíblia lemos uma passagem a respeito dos desejos de Deus para Seus filhos com a seguinte afirmação: “escreve-as na tábua do teu coração” (Provérbios 3:3b), era a cultura e o dia a dia daquele povo.

Independentemente dos tempos (sejam as pedras, os couros, os escribas, os primeiros impressos, os microcomputadores ou sei lá o que vem pela frente), o Senhor preserva Sua Palavra com poder e soberania. O homem tentou frustrar as intenções de Deus, mas Ele faz com que elas sejam mantidas, na íntegra.

Devemos porém, ter cuidado em não deixar que essa geração destrua o que há de história a ser transmitida à nossa descendência. Preservar os fatos e as verdades para que não se percam. E acima de tudo, compreender que a vontade de Deus não está gravada em livros, e-mails, blogs ou em papéis. Os planos do Senhor para nós não estão nos cronogramas de leitura da Bíblia e nem em um versículo aleatório.

Os sonhos do Pai para Seus filhos estão no Seu coração e esse, nós só conhecemos quando temos com Ele uma intimidade sincera, sem falsidades, dogmas ou religiosidade. Ler a Bíblia, seja em papel, tela ou áudio deve ser um hábito que nos conduza a um conhecimento melhor e maior dos planos de Deus, de Sua essência, Seu caráter e Sua verdade. E não há homem que frustrará o desejo do Rei soberano.

“Pois a palavra de Deus é viva e eficaz e mais afiada do que qualquer espada de dois gumes; ela penetra ao ponto de dividir alma e espírito, juntas e medulas, e julga os pensamentos e intenções do coração” (Hebreus 4:12).

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