Desaniversário

Por Henrique Matos

Imagine só você essa história, coisa dessas absurdas mesmo. Suponha, só por alguns parágrafos, que no fim de semana que chega seja o seu aniversário. Toda expectativa, os preparativos e desde há cerca de um mês, já comentam as pessoas sobre a data. Você afinal, é uma grande personalidade, respeitado por suas idéias e gestos tão nobres, e todos os seus amigos já sabem, só pelo clima, que o esperado dia se aproxima.

De repente assim, você se lembra do que lhe contam sobre o dia do seu nascimento, quando de longe, amigos da família trouxeram belos presentes em sua homenagem. Você está também empolgado com essa atmosfera festiva que o cerca e, pelo burburinho das cozinhas e salas de estar, parece que um grande evento se fará.

Seu aniversário é, afinal, a data escolhida por muitos dos que o conhecem para se confraternizar. É o dia, talvez o único, em que boa parte das famílias se reúnem, sentam à mesa e celebram. Elas brindam ao amor, à verdade, à paz, à justiça, o ano que passou. Brindam também o dia do seu nascimento.

Bem, guardando as devidas proporções, é um aniversário como qualquer outro que se faz por aí todos os dias, tantos dos anos.

Observando a movimentação, você se prepara para a festa, toma um banho longo, veste sua melhor roupa, quer receber e se alegrar com aqueles que o amam, quer ver os presentes que ganhou, quer viver um dia, só esse, sabendo das coisas boas que pensam a seu respeito.

Espere. Deixemos um instante de narrar (e imaginar) e observe a cena. Sim, abra a janela dessa sala, deixe a luz do dia entrar e veja: os convidados já estão vindo. Assim como veio tão rápido, e já chegou, o grande dia.

Veja as famílias, sim, elas estão juntas! Olhe ali os belos pratos, frutas da estação, sucos, vinho, bolos recheados com nozes e doce de leite, balas e confeitos especiais, um lombo bem assado... Cuidado, não deixe a fome dispersar a imagem. Veja também os presentes que trazem nas mãos, são tantos, em belos embrulhos. Haverá grande festa nesse seu dia.

Mas, a medida que se aproximam, pode-se notar que estão todos mudando de caminho. Ei, eles saíram da direção! Nada de tudo aquilo é para você de fato. E também não é para algum dos seus pequeninos amigos e familiares. É, pelo visto, para uso e lazer dos próprios convidados. Carregam para si os presentes.

Ora, que aniversário é esse – pensa você e, agora que vi, eu também – em que as pessoas festejam na ausência do aniversariante? Em que compram presentes para agradar a si próprias? Em que se celebra a data tão esperada, mas pouco se fala no festejado anfitrião?

Que Natal é esse, afinal, em que as famílias se reúnem para celebrar um nascimento, mas esquecem de convidar e homenagear ao Pai e seu tão amado Filho, justamente na data que marcamos como símbolo de sua vida entre nós?

“Eis que de súbito apareceu entre eles um anjo, e o campo ficou iluminado com a glória do Senhor. Sentiram muito medo, mas o anjo sossegou-os: Não tenham medo; trago-vos a notícia mais feliz e que se destina a toda a gente! Esta noite, em Belém, a cidade de Davi, nasceu o Salvador - sim, o Cristo, o Senhor.” (Lucas 2:9-11 – na versão “O Livro”).

Comentários

Vítor Mácula disse…
Brilhante, caro Henrique Matos, brilhante.

É como o Domingo, que tantas vezes celebramos com os olhos e coração postos em dias sem Deus…

Um abraço.

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