Tiro ao alvo

por Henrique Matos

Nunca fui bom com alvos. Não, eu não falo de minha mira, flechas ou pontaria – com isso eu também não sou lá um Robin Hood, mas o caso aqui é outro – sou ruim em estabelecer metas pessoais. No começo, achava que programar em janeiro todos os planos que cumpriria até dezembro seria mais outra maneira de incluir regras no meu já metódico – e involuntário – estilo de vida.

Vejo com admiração os amigos que hoje, fim do primeiro mês, já determinaram os tópicos pelos quais dedicarão tempo, empenho, dinheiro e, principalmente, orações ao longo do ano. Sim, cada alvo precisa ser algo “trabalhado”, corretamente pedido e entregue a Deus com perseverança e fé.

Neste ano eu desejo, sinceramente, fazer diferente. Pretendo repetir o que fiz uma vez há alguns anos e anotar em uma folha arrancada de caderno quais são os meus projetos pessoais, profissionais e espirituais para esses onze meses que ainda me restam.

Fica evidente, portanto, que meu primeiro e prioritário objetivo para o ano é: estabelecer alvos!

E já começo a sonhar. Penso nas orações que farei buscando uma vida maior de dedicação a Deus, com mais relacionamento e menos religiosidade. Desejo ser promovido no meu trabalho, ler mais livros, ler toda a Bíblia durante o ano. Quero realizar minha esposa e fazê-la tão feliz quanto possa sonhar. Quero ter um filho, um não, dois, um casal de gêmeos! Desejo escrever um livro infantil, quero também um dicionário, desses grandes, para encontrar sinônimos enquanto escrevo, quero ver meus amigos e familiares mais próximos de Deus. Preciso estar mais perto dos meus velhos amigos, contribuir com mais obras sociais, ter disciplina nesse meu ministério, melhorar minha postura. Este ano, deverei comer menos pizzas e mais verduras...

De fato, preciso é colocar ordem nisso tudo e estabelecer algumas prioridades. Preciso dividir quais são os alvos pelos quais devo orar, em quais me empenhar e os outros tantos que são pura falta de vergonha na cara.

Ah, eu quero aprender inglês! I’m sorry, quase me esqueci.

Agora, sendo alguém sem experiência nessa história toda de metas, alvos, planos ou seja qual for o nome que se dê para isso, não sei bem se é bom ou ruim, mas pessoalmente, vejo-me realizado em cada um desses pontos. De certa forma, sinto que vou consegui-los e não concebo a idéia de passar por esses dias sem fazer a colheita desses frutos. Foi Paul Yong Sho quem certa vez disse algo como: “Me diga o que você vê e eu te direi onde você irá chegar”. Pois então, estou errado?

Viajar mais! Tirar férias! Estão aí outros planos que esqueci de relacionar no devido parágrafo (talvez eu precise dedicar também um tempo para pedir por uma memória melhor...). Preciso pedir menos.

E por falar em pedir, isso me leva a dispersar noutro pensamento. A questão que debato, cá com meus botões (sempre eles) é: se estou pedindo é porque reconheço primeiramente que a realização ou não de tais planos não dependem somente de mim, mas antes, da providência do meu Deus, certo? Certo – os botões não respondem então eu mesmo concluo – Como então posso ter tanta certeza de que meus desejos são também os de Deus para mim?

E se Deus, estando lá em cima, como Deus deve estar, vendo meus tropeços e dúvidas, conhecendo-me melhor do que eu mesmo e tendo os sonhos de um pai para seu filho... e se Ele sabe que alguns desses pedidos não serão bons? Que o melhor para mim não está na realização desses planos e sim em algo que desconheço?

Estou pronto para ouvir um “não” como resposta? Não sei – respondo sem ao menos consultar os botões.

Acaso Deus, será “menos Deus” se não realizar as minhas vontades? É evidente que não, afinal, como um cristão, reconheço que não são os meus desejos que devo buscar, mas antes de tudo, procurar quais são os bons sonhos e planos que Ele tem. Mas, na prática, aceitarei isso com tanta racionalidade?

Meus botões se calam.

Então pergunto: e você?

Voltando um bocado nesse raciocínio, preciso dizer que ainda acho que os alvos são importantes, ótimos para direcionar, disciplinar e, no meu caso, ajudar a enxergar que muito do que tanto quero depende tão somente de um simples passo meu. Mas temo que essas metas, encaradas da maneira errada, nos afastem da submissão, da entrega e até mesmo da espontaneidade da vida, do acordar sem ter que se preocupar, do improviso de cada dia, da falta do que fazer nos dias de domingo.

Doutrinar nossas realizações pode nos deixar preocupados demais, nos levar a uma visão limitada a sentimentos egocêntricos. Pode nos impedir de seguir as palavras de Jesus e compreender que não devemos “andar ansiosos pela nossa vida, quanto ao que haveremos de comer ou beber” [...] “pois é a vida mais do que alimento”. Precisamos, por algumas vezes, ser assim como as ervas são no campo e os pássaros a voar, despreocupados, despretensiosos e cheios de beleza e ação de Deus.

Em uma de suas cartas, Paulo relata o drama pessoal de conviver com o que chamou de “espinho na carne”. Uma enfermidade, uma dor, um mensageiro de Satanás como ele chegou a dizer. E conta ali que por três vezes orou a Deus para que o livrasse daquilo. E conta também o que ouviu do Pai como resposta:

“Minha graça é suficiente para você, pois o meu poder se aperfeiçoa na fraqueza”. E ali mesmo, linhas abaixo, o apóstolo conclui o seu raciocínio: “Por isso, por amor de Cristo, regozijo-me nas fraquezas, nos insultos, nas necessidades, nas perseguições, nas angustias. Pois, quando sou fraco é que sou forte”. E ele compreende então que mesmo as dores que sentia, eram provações que o fariam crescer e vir a ser o homem que tanto pedia para tornar-se.

Eu confesso, oro por bobagens. Veja você cada um dos alvos que consegui lembrar nesse momento para escrever aqui e notará – como eu mesmo só o fiz agora – que não tenho pedidos angustiados, necessidades, dores a serem curadas. É claro que tenho outros sonhos, tão pessoais e íntimos, entre o Pai e eu. São como tantos desses que você mesmo também deve ter. Vontades, planos, um chamado, as dúvidas, os anseios, vergonhas, os medos tão escondidos que às vezes até tem receio de coloca-los para fora. Não tenha.

Às vezes, pediremos e não seremos atendidos, faremos planos e terminaremos frustrados, nos sentiremos sozinhos durante a caminhada. Nessas horas talvez seja bom entender que na vulnerabilidade da dúvida, podemos provar nossa fé. Que no desapontamento de ver um sonho não realizado, conseguimos ser fiéis a Deus. E que apesar de tudo e de tantas coisas, Ele nunca muda, é o mesmo – cheio de amor, perdão, paz, justiça, verdade, carinho, sonhos, bondade... – ontem, hoje e sempre.

“Ao homem pertencem os planos do coração, mas do Senhor vem a resposta da língua. Todos os caminhos do homem lhe parecem puros, mas o Senhor avalia o espírito. Consagre ao Senhor tudo o que você faz, e os seus planos serão bem sucedidos.” (Provérbios 16:1-3).

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