Na falta do que dizer...

por Luiz Henrique Matos

Faz umas quatro horas que estou tentando escrever algo aqui nessa tela. Já comecei quatro textos diferentes, esse é o quinto. Acho que agora vai. Acho.

O último eu parei duas vezes. Na primeira, para dar a mamadeira para a Nina, que chorou lá do berço pedindo seu leitinho. Altíssima prioridade. Na segunda, também pela Nina, que resmungava os primeiros gemidos dando sinal de acordaria em breve.

Pensei em deixa-la ali no berço, afinal já passam das onze e é hora de bebê estar dormindo. Mas não resisti. Olhei aquele rostinho, aquele olhar de quem acorda e ainda dorme me sondando, o sorriso banguela se construindo no rosto e a mãozinha vindo na direção das minhas bochechas. Ela me aperta. Mão macia. Mas precisa cortar as unhas. Ela pede colo. Peguei-a e vim para a sala brincar. Isso sim, mais importante do que qualquer palavra mal escrita numa tela de computador.

Me veio à mente então uma pérola: mais importante do que as coisas passageiras que depois podem ser feitas, é dar valor ao que passa rápido e quando vê já não se pode mais fazer (éca, ficou péssimo isso).

Ela só tem cinco meses, mas sinto que a cada hora longe de casa, perco um novo sinal de seu crescimento. Ela já tem cinco meses.

Enquanto escrevo, ela me sonda por cima da tela. Sentada na cadeirinha de balanço (que preferiu, preterindo meu colo), olha insistentemente para mim enquanto narro em voz alta as palavras que despejo nesse teclado. Ela gosta. Ela ri timidamente. Ela não está com sono, definitivamente.

Que valor tem o tempo, afinal? Que prioridade tem as coisas tão urgentes, perto do que é mais importante? Quero saber, um dia lá na frente, que fiz a coisa certa. Que as escolhas, as mais simples, foram as que causaram impacto e tornaram nobre e valioso o viver. Que o olhar apaixonante e curioso de um bebê é, no fim das contas, maior do que o prazo das tarefas no escritório, maior do que o sono, melhor do que o melhor clássico de futebol na tv.

Falando em clássico, a música de Ravel toca ao fundo, completada pela trilha sonora do ritmo da chupeta colorida que estala naquela boquinha vermelha.

Ela me olha fundo nos olhos. Como faz a mãe dela, quando quer me dizer algo sem precisar abrir a boca. E vejo nesse olhar sua inocência, vejo minha filha, me vejo, sangue do meu sangue, vejo um bebê, vejo a mulher que um dia virá a ser (e aí já não quero mais ver nada porque isso vai longe demais pro meu gosto).

Agora ela observa a própria mão, abrindo e fechando. Ela raspa as pontas dos dedos no estofado para saber a textura que tem. Aprende algo novo. Ela tenta alcançar algo que está pendurado no arco da cadeira e arrancar dali a todo custo. Ela se revira toda para saber como ficar, cair, não... ixi, peraí, preciso arrumar... ufa, foi por um triz! Ela tenta engolir um brinquedo maior do que sua cabeça. Ela baba pra caramba.

Pensando bem no primeiro parágrafo dessa história, acho que o texto não dará em nada, senão nesse despejar de palavras e sentimentos que, a bem da verdade, não dizem muita coisa para o cristianismo de alguém. Talvez até digam ou sirvam para tratar de prioridades, para pregar uma vida mais simples e despretensiosa, para dizer que as coisas realmente valiosas – e divertidas também – não estão em nossa conta bancária (ah, mas não mesmo, dirão os endividados – mas você entende do que estou falando).

Acho que ela é destra. Puxou o pai?

Pensando bem, acho que o melhor a fazer é abandonar esse computador e voltar a brincar com minha princesinha. É, filhos nos dão essa vantagem, podemos voltar a ver desenho animado e brincar de ser criança sem que os outros adultos nos julguem idiotas. Pelo contrario, até acham bonito, nobre, pedagógico, estimula o sei-lá-o-quê da criança. Eu só sei de uma coisa: é bem legal.

Ela tem cosquinhas. Ela gosta do meu colo... (ou talvez não tenha muita opção). Ela gosta de cheirar um paninho, igual aquele personagem do Snoopy. Puxou a mãe? Opa, ela pediu colo. Agora está aqui deitada nos meus braços e com a cabeça recostada sobre meu peito. Nada paga essa sensação. Volto a um raciocínio antigo, mas que me visita toda semana: Deus nos dá a chance de ter filhos para que possamos, numa minúscula fração, entender o que ele sente como pai.

Ela não fala nada – às vezes acho que ela acha que fala –, só sorri, chora e resmunga de vez em quando. Mas nem precisa, você sabe bem disso. É que... ahn, aqueles olhinhos, aquelas mãozinhas, aquele sorrisinho... bem, isso não tem nada de diminutivo. Na falta do que dizer, o momento diz tudo.

Talvez, voltando ao raciocínio do parágrafo aí de cima, talvez isso também seja a grande lição da paternidade divina. Ele contempla, ele prioriza, se enche de orgulho, sofre, ele sabe... sim, sempre sabe e ama sob qualquer condição.

Pensando... bem, agüenta firme aí que eu vou curtir minha cria.

Comentários

Daniel RB disse…
Luiz,
Parabéns pelo seu blog. Sempre dou uma olhada nele, depois que o encontrei na net.
Estou esperando uma filha também (a sua já nasceu) e me identifiquei muito com este último post.
Abraços,
Daniel
Paulo Costa disse…
Parabéns pelo rebento e também pelo excelente conteúdo do blog. Para mim, está a ser um tempo proveitoso e enriquecedor aquele que tenho passado a ler e a reflectir sobre os posts que vou lendo.
Teria muito prazer em receber a sua visita no meu blog:http://www.seguirjesus.blogspot.com

Postagens mais visitadas deste blog

O amor, um calção e gestos primitivos (cinco minutos antes de minha vida mudar)

Minha religião não permite

No olho do furacão